Desde pequenos voos até infestações silenciosas, os insetos moldam diretamente o que chega ao nosso prato. Eles podem ser heróis ao garantir a polinização de frutas, verduras e oleaginosas — ou vilões, ao devastar lavouras inteiras em questão de dias. Entender esse universo minúsculo porém poderoso é fundamental para repensar práticas agrícolas, diversificar fontes de alimento e garantir a segurança nutricional global. Neste artigo, vamos descobrir como diferentes grupos de insetos beneficiam ou prejudicam a produção de alimentos, quais inovações aproveitam seu potencial e até como eles próprios podem se tornar alimento em uma abordagem sustentável.
O voo que sustenta sabores
Grande parte das plantas cultivadas depende de polinizadores para produzir frutos e sementes. As abelhas, borboletas, besouros e outros insetos carregam pólen de flor em flor, viabilizando a reprodução de cerca de 75% das principais culturas alimentares do mundo, que representam aproximadamente 35% do volume total de produção agrícola global. Sem essa ponte viva, não teríamos maçãs, amêndoas, muitas variedades de melão ou parte significativa das hortaliças folhosas que compõem a nossa dieta.
Além do impacto biológico, esse serviço ecológico tem valor econômico impressionante: a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a polinização por animais gere entre US$ 235 e US$ 577 bilhões anuais em produtividade extra para o setor agrícola. Em regiões rurais da China e da Índia, por exemplo, pequenas comunidades chegaram a contratar “polinizadores humanos” para substituir abelhas ameaçadas por pesticidas, pendurando pincéis artesanais em galhos para transportar pólen de flor em flor — uma solução criativa, porém muito mais cara e menos eficiente do que um enxame saudável.
À medida que áreas naturais dão lugar a plantações monocultoras, e agrotóxicos afetam populações de insetos, o risco de colapso desses serviços cresce. Projetos de educação ambiental e de recuperação de hábitats, como corredores floridos entre propriedades, têm se mostrado promissores para reconquistar esses valiosos aliados de asas.
Quando pequenos inimigos viram grandes prejuízos
Se, de um lado, muitos insetos polinizam ou controlam pragas, outros atacam diretamente plantas cultivadas. Insetos-praga como pulgões, lagartas, percevejos e gafanhotos podem reduzir a produção global em até 40% todos os anos, o que equivale a perdas econômicas em torno de US$ 220 bilhões anualmente. No Brasil, estima-se que insetos causam cerca de 7,7% das perdas na produção agrícola nacional — aproximadamente 25 milhões de toneladas de grãos desperdiçados e US$ 17,7 bilhões em prejuízos.
Esses números se agravam em cenários de mudanças climáticas: o aumento de temperatura tende a acelerar o ciclo reprodutivo de muitas pragas e a expandir seu alcance geográfico, colocando em risco regiões antes protegidas por climas mais amenos. Isso pressiona agricultores a intensificar o uso de defensivos, que por sua vez podem contaminar solos, rios e prejudicar insetos benéficos.
Embora intoxicações agudas sejam a face mais visível, o impacto ambiental e à saúde de longo prazo inclui declínio de polinizadores silvestres e desequilíbrios em cadeias alimentares aquáticas, quando resíduos de pesticidas são carregados pelas chuvas.
Renovando o campo com soluções biológicas
Com o crescente desafio das pragas, surge a necessidade de estratégias que vão além do spray químico. O manejo integrado de pragas (MIP) valoriza predadores naturais — como joaninhas, vespas parasitoides e ácaros — e reduz a dependência de agrotóxicos. Em estufas de tomate e pimentão, por exemplo, a liberação controlada desses “aliados de asas e antenas” já demonstra quedas de até 70% no uso de inseticidas.
Paralelamente, a biotecnologia oferece novas armas: culturas Bt sintetizam toxinas específicas contra lagartas e protegem plantas continuamente, enquanto pesquisas com RNA interferência buscam silenciar genes essenciais de pragas, poupando organismos não-alvo. Na apicultura, técnicas de RNAi vêm sendo testadas para combater o ácaro Varroa destructor, reduzindo a necessidade de acaricidas e protegendo colmeias inteiras.
Insetos no prato: entomofagia e sustentabilidade
Enquanto muitos países enxergam nos insetos apenas pragas ou polinizadores, outras culturas os consomem há milênios. A FAO catalogou mais de 2.100 espécies comestíveis — entre grilos, besouros, gafanhotos e formigas — que servem de fonte concentrada de proteínas, ferro, zinco e vitaminas do complexo B.
Comparado à carne bovina, o cultivo de insetos pode oferecer rendimento proteico superior por área e emitir até 100 vezes menos gases de efeito estufa, além de demandar até 90% menos água. No entanto, vale mencionar que, quando industrializados, alguns produtos à base de insetos podem ter pegada ambiental maior do que certas proteínas vegetais, como as de grão-de-bico ou ervilha.
No Brasil, comunidades indígenas e populações do Norte e do Nordeste mantêm tradições de consumo de saúvas (formigas cortadeiras) e larvas de besouro em festas locais, revelando sabores que variam do crocante ao cremoso. Hoje, microempresas produzem barras de proteína e farinhas de grilo e tenébrios para pães, bolos e snacks — uma forma de introduzir insetos na dieta urbana com apelo moderno.
Promover a entomofagia em um país de grande biodiversidade como o nosso pode ser um caminho estratégico para enfrentar a insegurança alimentar e reduzir impactos ambientais, desde que acompanhado de campanhas de educação e de regulamentação sanitária rigorosa.
Perspectivas futuras e desafios
A crescente demanda por alimentos, aliada às mudanças climáticas, impõe desafios inéditos: a alteração de padrões de chuva favorece surtos inesperados de pragas e reduz a eficácia de controles tradicionais. Inverter esse quadro passa por fortalecer redes de monitoramento — por meio de sensores e inteligência artificial para prever invasões — e por pesquisar a ecologia dos insetos em paisagens agrícolas diversificadas.
No âmbito sociocultural, a resistência a consumir insetos ainda é forte. Superar tabus envolve mostrar que a entomofagia pode ser saborosa, segura e nutritiva. Chefs e influenciadores gastronômicos já testam receitas criativas, como bolinhos de grilo ao curry e barras de chocolate com larvas de tenébrios, convidando o público a dar o primeiro passo.
Políticas públicas que incentivem fazendas de insetos, garantam padrões de higiene e fomentem pesquisas ajudam a construir uma cadeia sólida de produção. Simultaneamente, práticas agrícolas regenerativas — que visam restaurar solo, água e biodiversidade — fortalecem populações de insetos benéficos, diminuindo riscos de pragas e aumentando a resiliência do sistema.
Exemplo prático de transição para fazendas regenerativas
Em Minas Gerais, uma fazenda de café adotou corredores floridos entre linhas de plantio e soltura controlada de joaninhas para combater pulgões. Em apenas dois anos, reduziu o uso de agrotóxicos em 60% e aumentou a produtividade em 15%, ao mesmo tempo em que recuperou parte da fauna local e melhorou a retenção de umidade do solo.
Pequenos Insetos, Grandes Consequências
Insetos são arquitetos invisíveis da nossa alimentação: sem eles, muitos de nossos pratos simplesmente não existiriam, mas seu desequilíbrio pode gerar perdas bilionárias e riscos à segurança alimentar. Entre polinizadores, predadores naturais, insetos-praga e até fontes de proteína, somos chamados a repensar nossa relação com esses minúsculos organismos.
Se pequenos seres podem decidir entre fartura e escassez, como podemos reinventar nosso convívio com eles para garantir o futuro dos alimentos? A resposta a essa pergunta determinará, em grande parte, a forma como alimentaremos as próximas gerações.